"Eu sou um homem branco e sei-o desde criança. Num quintal luandense, um carregador negro, ferido por uma palavra que eu, miúdo de calções, lhe dissera, tirou um canivete, cortou-se levemente no braço e mostrou-mo: "Olha, é igual ao teu." Aprendi. Eu sou aquele que precisou que lhe mostrassem uma evidência. O bocado da minha vida de que mais gosto é que depois de mostrada nunca mais esqueci aquela evidência. Fiz amigos, daqueles que me sorriem na memória, fiz escolhas, daquelas que me marcaram o destino, em que pesou eu saber que aquela evidência - a igualdade dos homens - é. É mais do que justa. Simplesmente é, existe. Como aconteceu a muitos pied-noirs, tive de responder à opção que Camus definiu ser entre a justiça e a mãe. Escolhi o campo nacionalista angolano, quando isso não era comum entre os brancos, lutei por ele, quando era perigoso fazê-lo, tive de me exilar, quando não se sabia por quanto tempo.
Mas, desmentindo o dilema de Camus, nunca me
senti contra a minha mãe (e o meu pai) - nem quando a história lhes tirou a
terra que era deles. Na verdade, sobre a questão política fundamental que se me
pôs na vida, a independência de Angola, eu não podia ser outra coisa senão
aquilo que o pequeno fio de sangue de um carregador negro me mostrou.
Apetece-me dizer isto hoje porque a minha vida só faz sentido porque houve um
líder como Nelson Mandela. Sem ele eu sentir-me-ia abusado, dano colateral,
mexilhão. E não, não sou. "
Ferreira
Fernandes - Diario Noticias
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