GUSTAVO
BOM/GLOBAL IMAGENS
O Grande Auditório da Faculdade
de Medicina de Lisboa foi pequeno para as centenas de pessoas que acorreram à
última lição do professor.
Os
psiquiatras gostam de silêncio e foi sem palavras que começou a última lição de
Daniel Sampaio, ontem na Faculdade de Medicina de Lisboa. Apenas o som de uma
peça de piano de Shostakovich a acompanhar a um quadro de Marc Chagall na tela
do palco. Com esta dupla mensagem, o professor evocava o dilema do compositor,
"que viveu dividido entre a liberdade da sua criação e a obediência a um
regime ditatorial".
O
auditório encontrava-se cheio, com muitas pessoas em pé e outras sentadas nas
escadas. Alunos, professores, médicos e amigos partilharam a lição que foi,
afinal, o percurso biográfico e profissional de Sampaio, concluindo com
críticas e propostas para o futuro.
Na
fila da frente, estavam em destaque dois ex-presidentes da República - Ramalho
Eanes e Jorge Sampaio - o secretário de Estado da Saúde, Fernando Araújo, o
diretor-geral da Saúde, Francisco George, Isabel Mota, Correia de Campos, Maria
de Belém Roseira, Manuel Alegre e Maria Luísa Guerra, a professora de Filosofia
que aconselhou Daniel Sampaio a seguir "psicologia ou psiquiatria", e
também a família mais próxima da numerosa "tribo", como lhe chamou o
professor.
O
Prelúdio em Lá Menor n.º 7 de Shostakovich acompanhou, por um minuto e 23
segundos, o quadro O Concerto que Chagall pintou em 1957. Antes, já o diretor
da Faculdade de Medicina de Lisboa, Fausto Pinto, tinha feito o elogio do
professor, numa intervenção concisa que só dividiu a audiência quando referiu a
preferência de Sampaio pelo Sporting. O catedrático agradeceu, em nome da
escola, "por tudo o que fez na e pela nossa instituição". Depois da
lição, o secretário de Estado da Saúde falou em nome do Governo, também ele
elogiando e agradecendo a ação do professor e do profissional.
Em
tom solto e fluido, Daniel Sampaio falou durante mais de uma hora, sintetizando
o livro Última Lição. Falou da família e da "educação de caráter" que
ali se praticava. Brincou com a touca de lã que usava na fotografia da avó
Sarah com os três netos: "Ela previu o caminho que cada um de nós ia fazer.
Disse que o meu irmão Jorge, que devem conhecer, ia ser político, o meu primo
Filipe cientista, e de facto é um grande Físico, e sobre mim previu várias
coisas, e acertou: a psiquiatria mistura os vários temas de que ela
falou."
A
lição foi ilustrada por fotografias, incluindo os grandes mestres: de Barahona
Fernandes e Eduardo Luís Cortesão a João dos Santos e Pedro Polónio, toda uma
lista de nomes essenciais da história da psiquiatria portuguesa. E uma foto
histórica: Sampaio com José Gameiro e José Neves Cardoso, num congresso de
terapia familiar em Florença. No regresso, decidiram criar a Sociedade
Portuguesa de Terapia Familiar. E outra: uma das centenas de sessões em
escolas, no caso em S. João da Madeira, com tantos alunos que foi preciso
fazê-la no exterior e com megafone.
Um
tema agitou a sala, sobretudo os responsáveis pela saúde: as restrições da
intervenção de um diretor de serviço (cargo que ocupou na Psiquiatria de Santa
Maria), esmagado por sucessivos poderes hierárquicos. "Nem sequer se pode
escolher a equipa de trabalho".
A
grande proposta de Daniel Sampaio, com a qual terminou a lição, é um programa
de intervenção nos comportamentos autolesivos na adolescência, referida na
edição de ontem no DN, e que ele gostaria de ver adotada no plano nacional.
Depois
de aplausos demorados, houve de novo música, cantada e tocada ao vivo pelo Coro
e Orquestra Médica. Uma surpresa para o professor, com obras de José Afonso,
Edward Elgar e Brahms.
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