"Não é o planeta seco e árido que imaginávamos no
passado". Descoberta aumenta as hipóteses de haver vida. Existência de
água facilita exploração de Marte por astronautas.
Corre água líquida na superfície de Marte. A revelação é da NASA, a agência
espacial norte-americana, que anunciou a descoberta esta segunda-feira numa conferência de imprensa.
Ao jornal britânico The Guardian, porém, o
líder do Programa de Exploração de Marte explica, antecipadamente, que há provas
da presença de água em estado líquido no planeta vermelho, o que pode
representar um ambiente favorável à existência de vida.
Michael Meyer, principal investigador na pesquisa sobre Marte, contou ao Guardian que
a presença de água líquida, embora ainda se desconheça a sua origem, indica que
seja "pelo menos possível ter um ambiente habitável atualmente" no
planeta vizinho.
A água líquida corre pelos vales e crateras marcianos durante os meses de
verão, explicam os cientistas. A equipa ainda não percebeu de onde vem essa
água. Pode ter origem em depósitos subterrâneos de água salgada ou gelada que
sobe à superfície nas alturas mais quentes, ou pode condensar a partir do vapor
de água no ar. É possível ver os rastos deixados na superfície pelo fluxo da água
nas fotografias tiradas por satélites em órbita.
A NASA divulgou
esta simulação de como seria sobrevoar uma das colinas onde as linhas de água
foram observadas. A água está representada a preto.
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A descoberta de água em estado líquido no planeta Marte, o planeta mais
próximo da Terra e aquele que é mais parecido com ela em temperatura, é um
objetivo da ciência há décadas. Agora, os cientistas acreditam que esta
descoberta aumenta as hipóteses de que exista vida em Marte. A existência de
água também pode facilitar uma futura exploração de Marte por astronautas.
Desde 2011 que há suspeitas de que as linhas escuras visíveis nas imagens
de satélite, que se formam, nos meses mais quentes do ano marciano, na
superfície do planeta se deveriam a água corrente. Quando os cientistas da
equipa de Lujendra Ojha, do Instituto de Tecnologia do estado norte-americano
da Georgia, analisaram essas linhas com luz infravermelha, perceberam que
existiam sais dissolvidos em água nas paredes dos vales onde as linhas surgiam
- sais que não estavam presentes antes do aparecimento dessas linhas. A
descoberta comprovava a presença de água corrente salgada nos meses quentes. É
importante lembrar que a água pura em Marte é muito instável, tornando-se
facilmente em vapor ou em gelo devido à baixa pressão atmosférica.
Conferência de imprensa em direto
A conferência da NASA, em que foi anunciada esta descoberta e os seus
pormenores, decorreu entre as 16.30 e as 17.30, hora de Lisboa.
"Se recuarmos três mil milhões de anos e olharmos para Marte, Marte
era muito diferente" do que é hoje, explicou Jim Green, diretor de ciência
planetária da NASA e o primeiro orador a tomar a palavra, descrevendo que a
atmosfera do planeta era mais rica, e existia um enorme oceano. "Mas Marte
sofreu grandes alterações climáticas e perdeu a sua água de superfície".
Segue-se a grande revelação do "mistério" que a NASA promovia há
semanas: "Marte não é o planeta seco e árido que imaginávamos no passado.
Hoje anunciamos que, nalgumas circunstâncias, encontrámos água líquida em
Marte", afirmou Jim Green.
Michael Meyer, líder do projeto da NASA de Exploração de Marte, explicou em
seguida que as linhas escuras que é possível ver na superfície de Marte se
tratam de água corrente - ribeiros que se formam na primavera, engrossam
durante o verão e desaparecem com a chegada do outono. As temperaturas mais
quentes permitem a formação dessas linhas de água corrente.
Inicialmente, porém, quando as linhas foram avistadas, os cientistas
deram-lhes o nome de "Linhas Recorrentes nas Encostas" (RSL na sigla
inglesa), para que o nome fosse apenas descritivo do aspeto das linhas e não
contivesse nenhuma suposição acerca do que as causava, permitindo um estudo
mais objetivo. O investigador principal da câmara de alta definição HiRISE,
Alfred McEwen, participa na conferência ao telefone a partir de Nantes, em
França, e explica que as linhas se formam quando Marte está mais perto do Sol.
Marte tem uma órbita mais excêntrica do que a Terra, ou seja, a sua órbita ao
redor do Sol tem um ponto mais próximo e um ponto mais longínquo do que o que
acontece na Terra, gerando verões mais quentes e invernos mais frios.
Lujendra Ojha, identificado na conferência de imprensa como Luju, a sua
alcunha, também fala a partir de Nantes. Ojha conta que a sua equipa estudou as
linhas escuras em Marte através de uma técnica científica de análise da luz
conhecida como espectroscopia. A espectroscopia permite analisar a composição
química dos materiais através da "assinatura" que cada elemento
químico deixa na luz que reflete, consoante as frequências de luz que absorve e
as que reflete.
Recorrendo a essa técnica, a equipa de Ojha analisou as falésias onde se
formavam as linhas antes de estas surgirem e durante o período em que estas são
observáveis. Os cientistas conseguiram assim constatar a presença de água,
através da assinatura química de certos sais que se encontram dissolvidos nela.
Os sais hidratados só se encontravam presentes quando as linhas escuras
apareciam, o que permitiu concluir que as linhas se tratavam de água corrente.
Os sais dissolvidos na água permitem que esta se torne mais estável,
mantendo-se em estado líquido mesmo apesar das variações de temperatura, algo
que não acontece com a água pura.
Mary Beth Wilhelm, do centro de investigação de Ames, da NASA, acrescenta
que a água líquida é um "ingrediente essencial para a vida". Ainda
não se sabe quão habitável seria esta água para micróbios semelhantes aos da
Terra: isso depende da sua temperatura e da concentração dos sais. A água
descoberta será muito mais salgada do que os oceanos da Terra, podendo mesmo
ter uma aparência mais semelhante à da terra húmida.
Wilhelm acrescenta que uma futura exploração humana de Marte seria
facilitada pela presença de água líquida no planeta, pelo que é importante
perceber melhor como se forma esta água líquida, seja por condensação do vapor
do ar ou derretimento de reservas subterrâneas geladas, e saber qual a sua
composição. Wilhelm explicou que os sais descobertos dissolvidos na água foram
descobertos em várias partes diferentes do planeta.
Durante a sessão de perguntas e respostas com os jornalistas, o astronauta
John Grunsfeld, também administrador de missões na NASA, mostrou-se otimista
com a ideia de que a descoberta "deste tipo de recursos" pudesse
ajudar a enviar astronautas para Marte. As colinas íngremes por onde a água
escorre não são acessíveis aos módulos que a NASA tem no solo marciano, mas
poderiam ser trepadas por astronautas, acrescenta Grunsfeld. John Grunsfeld
anunciou no início da sessão que vestia a sua roupa de astronauta
intencionalmente. "Nós vamos a Marte", declarou. Ao encerrar a
conferência de imprensa, alertou: "Por favor mantenham-se atentos à
ciência, porque a ciência nunca dorme. Estamos sempre a descobrir coisas
novas".
Fonte - DN