24 novembro 2006

António Gedeão

Pedra Filosofal

Eles não sabem que o sonho
é uma constante da vida
tão concreta e definida
como outra coisa qualquer,
como esta pedra cinzenta
em que me sento e descanço,
como este ribeiro manso
em serenos sobressaltos,
como estes pinheiros altos
que em verde e oiro se agitam,
como estas aves que gritam
em bebedeiras de azul.

Eles não sabem que o sonho
é vinho, é espuma, é fermento,
bichinho álacre e sedento,
de focinho pontiagudo,
que fossa através de tudo
num perpétuo movimento.

Eles não sabem que o sonho
é tela, é cor, é pincel,
base, fuste, capitel,
arco em ogiva, vitral,
pináculo de catedral,
contraponto, sinfonia,
máscara grega, magia,
que é retorta de alquimista,
mapa do mundo distante,
rosa dos ventos, Infante,
caravela quinhentista,
que é cabo da Boa Esperança,
ouro, canela marfim,
florete de espadachim,
bastidor, passo de dança,
Colombina e Arlequim,
passarola voadora,
pára-raios, locomotiva,
barco de proa festiva,
alto-forno, geradora,
cisão de átomo, radar,
ultra-som, televisão,
desembarque em foguetão
na superfície lunar.

Eles não sabem, nem sonham
que o sonho comanda a vida,
que sempre que um homem sonha
o mundo pula e avança
como bola colorida
entre as mãos de uma criança.

António Gedeão/Rómulo de Carvalho nasceu a 24 Novembro de 1906

23 novembro 2006

O nosso déficit

Combater o déficit será só o único e prioritário desígnio nacional?!!! O grande problema que se coloca, é o de saber como sairmos desta situação em que nos encontramos, dentro deste contexto político europeu e global. Portugal enferma por grandes e injustas desigualdades entre a sua população. Qualquer pedido de sacrifício que seja exigido, é sempre incompreendido e dificilmente aceite pelas pessoas com mais baixos rendimentos. Qual poderá ser então a verdadeira saída para este país, sem prejudicar demais, sempre os mesmos? È recorrer à política simplista de aumentar os impostos sobre o consumo de modo a crescer a receita e consequentemente encher mais os cofres do estado? A Irlanda pela voz do seu ministro da economia, baixou o IVA, para angariar mais investimento e daí criar mais postos de trabalho abrindo assim as portas a um efectivo bem estar social!!!! Há uns tempos um ilustre economista chamado Silva Lopes defendia a ideia de que havia um outra forma de combater o déficit, ou seja, já que pelo corte da despesa o caminho era difícil, só no aumento do rendimento lá poderíamos chegar. Então se é assim, porque não apostarmos em qualquer ícone produtivo que nos tire desta difícil situação económica? Fala-se no turismo. Existe algum plano nacional mobilizador de modo a tirarmos o verdadeiro rendimento desta dádiva com que a natureza nos presenteou? Não é possível em simultaniedade com o exigido combate ao déficit, projectar-se medidas a curto prazo que sejam dinamizadoras da nossa economia de modo a entrarmos finalmente numa lógica de desenvolvimento e progresso? Porque o que se tem visto é cortar, cortar, cortar....na despesa. Pergunta-se, até quando ?

Foto-Isabel Gomes da Silva

17 novembro 2006

O meu quintal


Não ficou qualquer outro registo.
As cores de verão que quente me surpreendia, a rondar a porta do formigueiro. Contava--as uma a uma, mas às vezes já me falhava a sequência e desistia. Divertia-me, espreitar o que levavam agarrado ao corpo. Não percebia porque levavam coisas tão grandes que quase pareciam impossíveis. Os meus impossíveis também chegavam a ser pesados, embora não lhes visse o volume.
O triciclo também desapareceu. Até hoje foi o que mais gostei de conduzir. No meu quintal não havia auto-estradas mas os caminhos eram muitos e eu fazia quilómetros à volta dos canteiros e dos cheiros.
A relva era inundada de roupa com frequência. O que eu gostava de lhe encontrar o macio debaixo dos pés descalços…
A mesa de pedra em tamanho XL ficava em frente, e as molas da roupa enfeitavam-lhe o espaço.
Os armários de garrafas verdes vazias à espera de vinho inventado já no Outono e os passos arrastados do mais velho do clã, que em rabugice desfiava ordens de protecção das suas obras. Naquele quintal tudo lhe pertencia mas eu acreditava que não. Apesar de ser sua a arte era meu, o domínio. Não havia um centímetro que não conhecesse… mesmo o que pertencia aos que voavam. Acompanhei andorinhas em voo rasante e seguia com elas até ver as estrelas perto do cabelo. Um dia ficou lá presa a minha trança e até hoje não a consegui recuperar.
Debaixo do telheiro havia uma capoeira de coelhos. Um dia apercebi-me que cada vez havia mais. Na mais pura das inocências chamei-lhe mistério. Apareciam sem eu saber como. Mistério para mim era uma palavra mágica. Chamava isso a tudo o que ia para além do meu entendimento, e ficava resolvida a minha ignorância. Esse conceito aplicado ao presente simplificaria todas as minhas convicções / limitações…
O cavalo de madeira tinha uma campainha que tocava com a sequência do galope. Era a minha irmã que costumava galopar com mais força. Quando chegou ao quintal, já eu preferia pedalar, de modo que nunca lhe liguei muito. Preferia movimento naquele espaço, para que não o visse como era realmente…
É íntimo cada som e cada imagem que reservo. É aí que encontro a minha infância.
De vez em quando, ainda acompanho os voos rasantes… mas agora já não há trança para prender nas estrelas…
Nesses que ainda faço, estão algumas estradas desenhadas, mas há um caminho sem limites. O pensamento não conhece fronteiras, nem cor, nem credos. É sempre libertação. Mesmo que o corpo se prenda nas teias de um mundo concebido em ferro, é volátil o pensamento e foge de limites que o corpo desenha. Já longe do meu quintal, costumo gritar alto…
Mas quando abandonar as asas que me transportam, direi apenas… “até breve…”
E se eu quiser acrescentar um som às cores de verão de minhas memórias, ouvirei ao fundo, entre um mar e uma montanha que guardo no meu peito, uma trompete e uma guitarra portuguesa…no meu quintal…

Texto – Manuela Lamy
Foto – Alba Luna

11 novembro 2006

Claridade


Clareou.
Vieram pombas e sol,
E de mistura com o sonho
Posou tudo num telhado...
Eu destas grades a ver
Desconfiado

Depois
Uma rapariga loura
(era loura)
num mirante
estendeu roupa num cordel:
roupa branca, remendada
que se via
que era de gente lavada,
e só por isso aquecia...

E não foi preciso mais:
Logo a alma
Clareou por sua vez.
Logo o coração parado
Bateu a grande pancada
Da vida com sol e pombas
E roupa branca, lavada.

Poema Miguel Torga
Foto José Varela

04 novembro 2006

Pedro Barroso


Foi há quinze anos que ouvi pela primeira vez e ao vivo Pedro Barroso. Considerado talvez, o último dos trovadores da música popular portuguesa é um homem de valores e causas, abordando sempre nas suas canções temas tão importantes como o Amor a Solidariedade ou a História. Foi distinguido no ano de 1994 pela Casa do Ribatejo com o título de “Ribatejano Ilustre”.
Nessa noite a acompanhar Pedro Barroso, um outro grande músico esteve presente no palco do São Luis, chama-se Sérgio Mestre, era flautista e felizmente com eles

Aprendi nos "esteiros" com Soeiro
e aprendi na "fanga com Redol
Tenho no rio grande o mundo inteiro
e sinto o mundo inteiro no teu colo
Aprendi a amar a madrugada
que desponta em mim quando sorris
És um rio cheio de água lavada
e dás rumo à fragata que escolhi .

02 novembro 2006

Patetice


Depois de ouvir o Alberto João é impossível ficar indiferente. Hoje, a televisão de serviço público presenteou-nos com um programa humorístico de classificação medíocre e de baixíssima qualidade, definitivamente prefiro os Gatos Fedorentos, estes por enquanto conseguem-me pôr os neurónios saudávelmente em funcionamento. Pergunto a mim mesmo, porque raio de razões é que a Judite de Sousa se enganou no programa, ela habituando-nos a uma imagem televisivamente construída, não costumava entrevistar pessoas depois do telejornal?!!! Bem, é um facto que depois de ter reconhecido a situação insólita de estar no programa errado, lá tentou incutir um pouco de seriedade e cumprir o alinhamento da produção, mas o homem estava ali mesmo era para fazer humor, aliás, é o que ele melhor consegue fazer, mas sempre tem sido nas tardes carnavalescas da Madeira, não é? Senti-me decepcionado, esperava mais da direcção de programas da RTP1, vertente entretenimento, afinal de contas pagamos impostos, só para isto??!!!...
Nota – Sei que de meritório este tema nada tem, mas..., tinha que desabafar mesmo, nesta noite chuvosa de Novembro.

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