Foram mais de duas horas de conversa entre avô e neta. Às muitas
perguntas que levava preparadas, Rita Nabeiro foi acrescentando todas aquelas
de que se foi lembrando – até as mais difíceis.
22 out 2020, 11:26
É
a primeira vez que conversamos com um gravador à
frente. Deixa-me começar por te perguntar: o que é que esperas desta entrevista?
O que espero é que traga algum
ensinamento de parte a parte. Encaro com muita naturalidade falarmos de nós:
eu poder falar de ti, e tu dizeres o que pensas do avô.
É
uma coisa maravilhosa. É uma mudança para acompanhar o mundo que está a mudar.
Em
89 anos de vida viste muito. Dizes que o mundo está
a mudar. Em quê?
O mundo mudou, realmente, e mudou mais ainda para nós
que somos do interior. A diferença é enorme: o conhecimento chegou aqui e atualmente o
interior está à altura do litoral. Mas ainda é preciso mais, continua a haver esquecimento em relaç̧ão aos que vivem abaixo dos outros. É um termo que não gostaria de aplicar, mas é o termo
certo: há quem viva ainda abaixo dos outros. Nos anos 40, tinha eu nove ou dez
aninhos, não existia aqui no Alentejo vida para viver. Existia vida
de passar o tempo trabalhando e lutando, sempre para alguém que não nos reconhecia. Hoje isso não acontece
assim, há uma melhoria extraordinária. As pessoas mais humildes aqui de Campo
Maior trabalham, mas também vivem. A maior mudança é esta: começámos a ser mais humanos.
Entrevistado com a entrevistadora ao colo, nos anos 80.
Em Campo Maior estamos muito próximos da fronteira. Como foi viver aquele período conturbado da história de Espanha, nos anos da guerra civil? [NA: a guerra civil espanhola teve início em 1936 e terminou em 1939, quando Rui Nabeiro tinha oito anos.]
Da guerra civil espanhola, lembro-me bem de ver as pessoas que andavam fugidas serem presas e metidas ali na esquadra da polícia, e depois serem levadas à noite num camião para a praça de touros de Badajoz. [NA: em agosto de 1936, após a derrota das forças republicanas na Batalha de Badajoz, as tropas nacionalistas do general Franco executaram milhares de pessoas na cidade, naquilo que ficou conhecido como o Massacre de Badajoz.] Nós ouvíamos os gritos das pessoas, tanto das que estavam presas como das que estavam de roda do recinto a gritar pelos seus, que quando desciam dali era para serem convidados ao suicídio. Mesmo sendo uma criança, assistir àquilo marcou-me. Tenho aqueles sentimentos cá dentro.
E foram difíceis
também os anos do pós-Guerra. Nos anos 40, em Campo Maior, as pessoas viviam
voltadas para Espanha, portanto, nesse período viu-se a maior miséria de todos
os tempos: não havia trabalho, nem comer, nem coisa nenhuma. Como é que aparece a
comida? Aparece com o tio Joaquim, que montou umas barracas ao longo da
fronteira, e ali vendia açúcar, massa, arroz, feijão… Ali fez vida e foi notado.
Falas
muitas vezes do tio Joaquim. Qual foi o papel dele no teu percurso?
Nasci, cresci e fiz-me homem na sombra do meu tio Joaquim.
Deixou-me trabalhar e deixou-me ter ambição. A vida é bonita quando as pessoas têm ambição. Aqui há uns anos, a ambição era vista como um defeito, mas não, é uma virtude. O que é preciso é que essa ambição não
seja individualista, mas sim virada para a comunidade.
O meu tio Joaquim foi
um homem de audácia que, quase analfabeto, aprendeu sozinho a escrever o seu
nome. Era um homem inteligente e trabalhador. Éramos
muito diferentes por uma razão: ele sentia menos do que eu. Ainda
jovem, eu dava-lhe algumas lições. Ele queria sempre mais das pessoas, e eu, com 15 ou
16 aninhos, já lhe dizia: “Chega.” Uma vez, disse-me: “Quem manda aqui sou
eu.” E eu: “Não estou a mandar, estou a dar um conselho.” Ele tinha uma
tal ambição de trabalhar, de lutar, de conquistar… Mas é preciso saber conquistar, e ele às vezes não sabia. Quando havia alguém que nos dificultava o trabalho, o
tio ficava irritado. E eu dizia: “Não, vamos conquistar o homem, vamos
falar com ele e trocar impressões, ele há de
gostar de nós e nós dele.” E foi sempre assim.
Tu
demonstraste desde pequeno qualidades de liderança. A bisavó, tua mãe, dizia
sobre ti: “O Rui faz.” Aprende-se a ser líder ou nasce-se com essa capacidade?
Tenho dificuldade em dizer que é de uma forma ou de outra. É
excelente poder-se estudar, mas um líder que não tenha estudos é capaz de
liderar, enquanto alguém que tenha estudado liderança precisa igualmente de ter
em si uma herança familiar que lhe tenha transmitido o que significa ser líder.
Foi o que me aconteceu a mim. As carências que eu via despertavam-me a vontade
de ajudar, porque com a minha quarta classe já podia dar alguma formação a quem
mal sabia assinar o próprio nome.
Rui Nabeiro em criança.
O meu pai, o bisavô, aprendeu na tropa a escrever o seu nome; mas ficou logo ali comprometido com um coronel que lhe facilitava a vida, teve de ir trabalhar fora, era motorista, e levou um monte de anos com uma vida de sacrifício, tanto que nós mal o víamos. Essas circunstâncias fizeram-me ganhar capacidades de liderança, porque em casa estava a bisavó, primeiro com cinco, e depois com quatro filhos pequenos. Éramos dois rapazes e duas raparigas, todos fizemos o nosso caminho. O tio António foi trabalhar como empregado dos outros: foi ajudante de merceeiro e de sapateiro. E o que é que eu queria ser? Empregado, não queria! Não queria porque realmente via que o tio António era aprendiz de sapateiro, mas não ganhava nada. O próprio patrão recebia pouco e não tinha nada para lhe dar. E eu tinha um bocado de ambição pelo dinheiro. E tenho. Portanto, fui cavar para dentro da fábrica do tio Joaquim. Deixaram-me cavar e cavei.
É curioso que tenhas passado a
infância a trabalhar e que depois acabes por criar o Centro Educativo [Alice
Nabeiro], onde dás oportunidade a muitas crianças para brincarem. Querias
dar-lhes uma oportunidade que não tiveste?
Essa é uma das razões. Se eu não
tivesse começado quase de criança a ter tantas responsabilidades… Quem chegou à
quarta classe também chegava mais à frente. Agora, uma pessoa que tem o que lhe
faz falta, como eu tenho, não tem o direito de dizer: “Se eu tivesse estudado
mais…” Não, eu estou tão agradecido à providência! Espero que a nossa empresa
seja sempre melhor e maior, isso é uma ambição normal; mas, se com a quarta
classe consegui chegar até aqui, só tenho de estar feliz.
O Centro já tem dez anos e não havia nada do género em
Campo Maior. Isto foi motivado por um querer, uma ambição de fazer melhor e de
esbater as diferenças entre classes, porque a vida é dura para muita gente. Em
Campo Maior, uma grande parte das pessoas está a viver razoavelmente bem, se
bem que há ainda casos… Casos esses a que vamos dando um toquezinho. Mas mesmo
as pessoas mais humildes estão razoavel- mente bem. Foi com isso que sonhámos,
nós todos.
Apoias muitas causas e muitas
pessoas. Como é que decides a quem dás ajuda? Eu própria já recebo muitos
pedidos de ajuda e nem sempre é fácil.
Uma coisa que o avô faz é nunca dizer
a ninguém que não. Às vezes, isso traz-me amarguras, mas é o melhor conselho
que te posso dar: nunca dizer que não. Algumas vezes as coisas acabam por nem
chegar a acontecer, mas um não, para quem está angustiado, é muito duro.
“Apareça cá que a gente depois fala” é um sinal de esperança, e a esperança é a
coisa mais bonita que pode haver no mundo. É o conselho que te posso dar, é
rápida a resposta, mas…
…Mas é boa. Em conversa com o Emídio,
o motorista, soube de uma pessoa que te vinha pedir dinheiro. Um dia chegaste
ao pé do Emídio e disseste: “já ganhei dinheiro hoje”. Lembras-te disso?
Ah sim, é verdade! Era um tipo a quem
não podia dizer que não, vamos lá ver, já me tinha dado muitas provas de
amizade. Na altura era muito dinheiro, eram 100 mil escudos, e ele veio falar
comigo muito aflito. Eu dei-lhos, e quando cheguei ao pé do motorista, disse:
“Bom dia que tivemos hoje, já ganhei 100 contos!”. Eu estava à espera de que
ele me pedisse 200, e afinal só me pediu 100. Ganhei o dia! [Muitos risos.]
Que valores são mais importantes num
líder?
A minha forma de liderar consiste em
conquistar as pessoas naturalmente. Não é comprando, nem dificultando. É
conseguindo que as pessoas nos reconheçam com amizade. Isso conquista-se pela
nossa atitude, por saber estar na vida e saber ver como o outro nos lê. O avô
tem tido a felicidade de liderar assim.
Como foram os primeiros tempos a
bater a portas e a ouvir “nãos”? Quando ainda ninguém sabia quem era o Rui
Nabeiro?
“Nãos” ouvi muitos, mas nunca
desisti. Tinha era de pensar como é que fazia a concorrência e como é que eu
havia de fazer. Foi assim que mudei o sistema de comércio: percebendo que a
concorrência não se deslocava até aos clientes, não lhes dava assistência nem
crédito. Eu estudei aquilo tudo e percebi que havia ali uma falha. Aos poucos e
poucos começámos a vender porque facilitávamos o crédito, as máquinas, as
entregas do produto eram à porta de casa… Se deu prejuízo? Deu. Mas depois deu
dinheiro. Um desses dias, um deles [da
concorrência] disse “olha que o Nabeiro está a caminhar” e o
outro respondeu-lhe “não, esse é do Alentejo, esse anda devagar”. Mas quando se
foram a benzer, já estavam benzidos. Já tinha ficado algum dinheiro pelo
caminho.
O fundador da
Delta demonstrando no terreno a sua filosofia “um cliente, um amigo”
Como foi o momento em que decidiste
abrir o teu próprio negócio?
Comecei a construir a Delta nos anos
60. Na Camelo olhávamos para o mercado espanhol com incerteza, porque as
situações políticas dos nossos países eram instáveis. E eu queria ser
independente, tinha mais sonhos. Nunca deixei a Camelo, levantava-me às quatro
da manhã para trabalhar do outro lado. Mas não há dúvida nenhuma de que quando
uma pessoa acredita que é capaz de fazer, pois faz. É assim, seja em que
negócio for.
De onde tiravas as ideias?
Sonhava-as. E nunca ficava em casa.
Onde quer que houvesse uma feirinha ou coisa parecida, eu caminhava para lá:
Paris, Milão, Alemanha, Espanha. Vi muitas coisas no exterior que trouxe depois
para cá. As ideias também nascem daí, de ver muitas coisas e falar com muita
gente. A pessoa que é humilde ouve e regista, tanto que eu ando sempre com um
papelinho para apontar.
E és conhecido por deixar post-its por todo o lado.
É a minha doença de tomar notas, mas
notas que depois têm seguimento. Se abrir o meu bloco, há muitos papelinhos.
Olha, aqui estão eles! [Risos.]
E além do bloco e dos post-its, usas o relógio e o iPad. Como vês o avanço da tecnologia?
A grande evolução que vemos hoje
aconteceu nas últimas décadas, nós é que não demos conta da rapidez do avanço
tecnológico. O Homem só tem a beneficiar. Robôs já nós temos há muitos anos e
nunca retirámos por isso nenhum posto de trabalho, pelo contrário, aumentámos
os postos de trabalho. A tecnologia serve para valorizar as pessoas e para
atingir novos níveis de perfeição. A década de 2020 será grandiosa, mas a de
2030 será mais ainda, e por aí fora.
Algum dia pensaste em reformar-te? Eu
sei a resposta, mas…
Nunca, reformar-me seria tornar-me
inútil. Serei inútil quando cá não estiver. Agora, se Deus me der alguma falta
de motivação ou de saúde, isso já não está nas minhas mãos. Se estiver nas
minhas mãos, trabalho e dou espaço para trabalhar. Posso aconselhar, mas não
dificulto; estou na minha casa, mas sei estar na minha casa. Agora dei mais
espaço ao pai e a todos vós, não é verdade? Mas continuo a vir trabalhar, vivo
aqui a dez metros, é só atravessar a rua. Começo cedinho e sempre a funcionar
com a mesma ambição.
Como conheceste a avó Alice?
Conhecemo-nos na escola primária, na
quarta classe. Não havia turmas mistas, mas uns professores modernos fizeram
aquele cambalacho, e foi com 9 ou 10 aninhos que começámos a namorar, aliás, a
dizer que namorávamos! E foi até hoje. Já fazemos 67 anos de casados. Fui um
privilegiado. Ela agora está doentinha e eu tenho a obrigação de não a largar e
de estar o máximo de tempo possível com ela. Ela era uma companheira a sério,
completava-me a vida. E soubemos sempre respeitar-nos.
Além de conheceres a avó na escola,
conheceste também o teu sogro…
Ah, sim! É verdade! O meu sogro
precisava de fazer a quarta classe, que não tinha, para poder entrar nos
quadros da empresa, então lá veio ele para a minha carteira. É assim uma
história muito grande, nunca mais acaba! Ficámos mesmo com amizade.
Achas que tens mais ou menos proximidade
connosco, filhos e netos, do que tinhas com os teus pais e avós? Eu trato-te
por tu, por exemplo, o que há uns anos podia ser visto como falta de respeito.
Como vês estas mudanças?
Nunca tratei os meus pais por tu
porque ninguém tratava, mas havia carinho. Hoje em dia, os meus filhos dizem “o
pai”, que não é peixe nem é carne, e vocês tratam o avô por tu. São as duas
coisas assim mescladas, como dizem os espanhóis. Havendo sinceridade entre as
partes, não é menos saudável. Porque realmente há troca de intimidade, de
proximidade.
Lembro-me de a tia Helena uma vez
dizer que tinha uma irmã que era a Delta. Achas que às vezes deste mais atenção
a um filho do que aos outros? Imagino que esta seja uma pergunta difícil…
Não é difícil, até gosto dessa pergunta.
Realmente, fica muito bem gostar mais da Delta, porque ela deu-nos bem-estar a
todos. De qualquer forma, não fico bem com a minha consciência dizendo que é
uma coisa, quando a outra também o permitiu. Nós temos todos de venerar a
Delta. Posso dar-me o privilégio de responder “Delta”, porque vocês a veneram
em conjunto comigo. No fundo, queremo-nos todos à mesma, da mesma forma. De
maneira que a pergunta foi fácil.
Estava à espera dessa resposta. Há
ainda algum projeto que sonhes fazer? Ou que queiras deixar-nos encarregados de
fazer?
Para mim, o fim nunca é fim. É fim
para quem vai andando, mas é princípio para quem começa. Eu tenho ambição para
mais, mas o tempo não me permite e tenho de ter consciência disso. Nos últimos
três anos, sonho fazer, mas deixo fazer. É esse o caminho de quem quer ficar em
saudade na família. O avô tem esta tranquilidade toda a falar e fala sempre com
carinho e atitude: o trabalho, neste momento, já não é meu; a minha ambição
deve empurrar, mas não deve liderar. Devo deixar que os outros sejam líderes.
Tens sempre um jeito para responder
sem me responder. Não queres partilhar qual era o projeto?
Tenho aí um projeto, mas queria
vivê-lo em vida e a gente nunca sabe, com os anos que eu tenho. Tenho um espaço
ali em frente ao hotel para fazer o meu espólio, que é maravilhoso. Esse é um
daqueles projetos que está na minha mente. Temos ali milhares de coisas para
escolher e para deixar à nossa terra.
No outro dia revisitei um livro em
que, a dada altura, falavas do projeto dos vinhos. Tenho de puxar a brasa a
esta sardinha… Aquilo já deve ter uns 10 anos. Dizias que eu já estava a
trabalhar contigo e que vinha do marketing e da comunicação. Dizias: “eu
digo-lhe que sim, mas que, para se fazer, tem de ser bem feito”. Explicavas que
a área do vinho não estava ligada à nossa, a do café, e que tinhas decidido
aventurar-te rodeando-te das pessoas certas. Olhando para trás, farias alguma
coisa diferente neste projeto? Ou não o farias?
De forma nenhuma, pelo contrário.
Fazemos sempre mais naquilo que pudermos. Naquela altura, já havia muito vinho
e este era apenas mais um que aparecia. Mas o mundo do vinho ganhou com a nossa
presença. Se não quisermos dizer isto, que pode ser um bocadinho duro, então eu
digo que, se fosse hoje, fazia igual. E talvez fizesse melhor. A segunda fase,
que lá estava desenhada, já estaria feita!
Há alguma pergunta que me queiras tu
fazer a mim?
Uma vez que estamos a falar em vinho
e que o avô abriu caminhos e pôs neles outras pessoas a caminhar… Para
trabalhar bem é preciso ter visão e ser livre. Para ser livre é preciso criar
um instrumento que funcione melhor. Porque se somos grandes numa coisa, podemos
ser maiores noutra – podemos chamar-lhe “mayores”. Esta é uma questão, em que é
a Adega Mayor que está em causa. Precisamos que cresça e que ali se faça algo
mais. Outra pergunta é que, dado que temos todos uma boa relação e que estamos
unidos, queria que, a cada dia, tivéssemos uma união ainda maior e pudéssemos
fazer disto um exemplo para o futuro. Porque A nossa empresa, e não é por
vaidade que o digo, é uma referência a nível nacional. Criámos riqueza em
muitos sítios e, por isso, temos a obrigação de nos aperfeiçoarmos. E conversas
como esta – que é para um trabalho, mas que no fundo serve para que possamos
conversar – são importantes. Temos de fazer melhor, mas com a união acima de
tudo, porque só assim chegamos longe.
Se estou a trabalhar aqui hoje, com a
família, em grande parte devo-to a ti. Eu sei que ao início tu me olhavas com
estranheza, sobretudo quando me vias chegar de ténis – e ainda hoje tenho uns
sapatos esquisitos. E o facto de vir de uma área completamente diferente, ao
princípio, fazia-nos sentir que não tinha o conhecimento necessário.
Isso ninguém tem antes de começar,
não é?
O que me levou a vir trabalhar com a
família foi poder aprender contigo, com esse teu lado humano. Para mim, esta
empresa, perdendo os seus valores essenciais, deixa de ser o que é. Agora,
obviamente, há coisas que temos de sonhar e acrescentar, como dizes e bem.
Vamos a outra pergunta. Lembro-me de ser pequenina e de a fábrica estar a ser
construída. Lembro-me de que, no sítio onde hoje é a fábrica, estava um monte
tradicional alentejano. Eu nunca imaginaria que aquilo seria o que agora é.
Hoje em dia, os teus bisnetos já têm 11 anos e qualquer dia já estão crescidos…
Eu sei que tu não gostas de responder a estas questões…
Diz lá. Eu respondo a tudo!
É que tu vais dizer: “isso agora é
para vocês”. Mas como é que tu imaginas a Delta daqui a 50 anos?
Esta herança obriga a uma atitude
firme, rigorosa, forte e corajosa, para não se perder o espaço que tivemos a
sorte de ter. Para isso, é preciso pensarmos e falarmos. Vocês ficam
responsabilizados, que já estão, por manter o que há e crescer todos os dias,
porque há espaço para isso. E aquilo que as pessoas dizem de mim também já
começam a dizer de vós, não é verdade? O que eu desejo é que daqui a 50 anos,
quando vocês já tiverem a minha idade, digam o mesmo que eu estou a dizer aqui
nesta conversa aos nossos pequerruchos. Porque há família para isso.
A entrevista decorreu entre os escritórios da Delta e a
casa de Alice e Manuel Rui Nabeiro, mesmo do outro lado da rua | Fotografia:
Enric Vives-Rubio
Tenho 39 anos. Em que fase estavas tu aos 39? Que conselhos me
dás?
Com os meus 39 anos, era uma pessoa realizada, ia a todas. Já
tinha uma realidade em cima de mim, um caminho percorrido que me dava muita
segurança, mas estava sonhando com mais futuro. E tu, com os teus 39 anos,
também podes pensar sobre ti assim. É isto que posso dizer-te nesta entrevista
aberta e franca.
Obrigada.
Acho que podemos continuar depois a conversa, e vamos continuar certamente.
Obrigada.
Esta
entrevista foi originalmente publicada no 1.º número da
revista DDD – Dê de Delta.