30 setembro 2008

A beleza!

Raphael

A beleza das coisas te devasta
como o sol que fascina mas te cega.
Delas contudo a luminosa entrega
nunca se dá, melhor, nunca te basta.

E a imensa paz que para além te arrasta
quanto mais se te esquiva ou te renega...
Paz tão do alto e paz dessa macega
que nos campos esplende à luz mais casta.

A beleza te fere e todavia
afaga, uma emoção(sempre a primeira
e nunca repetida) que conduz

o teu deslumbramento para um dia
à noite misturado, na clareira
em que te sentes noite em plena luz.

Poema “Beleza” de Menotti del Picchia - Foto de Raphaelopensativo

20 setembro 2008

Artes do silêncio

... o Abade Dinouart lembra que, se o silêncio é de ouro, é não só porque ele não compromete, mas também porque ele permite todas as nuances, todos os cálculos e todos os equívocos, podendo induzir verdadeiras transfigurações, como as de «fazer de um homem limitado um sábio, e de um ignorante um homem capaz.»...

...O silêncio pode assim ser prudente, quando domina a conveniência de acordo com o tempo e o lugar, artificioso quando quem se cala o faz para surpreender, complacente quando se quer sobretudo agradar, trocista quando se quer iludir ou espiritual quando a intenção é só insinuar.

... Mas o silêncio pode ainda ser estúpido, quando revela alguém taciturno, que não significa nada, de aprovação quando exprime sintonia ou simpatia, de desprezo quando afecta frieza, ou de humor quando varia com a disposição subjectiva do momento. O último é o silêncio político que, diz o Abade Dinouart, é o de uma pessoa «prudente, que se cuida, se conduz com circunspecção, que não se abre, não diz o que pensa, não explica a sua conduta nem os seus propósitos. Que, sem trair a verdade, não responde com clareza para que não o descubram...

Manuel Maria Carilho

10 setembro 2008

Não há discursos grátis

Arfante de expectativa, a pátria aguardava o discurso de Manuela Ferreira Leite. Não a pátria toda. Contrariando a gravidade que o momento reclamava, o Público, embora pouco propenso à ironia, fez uma manchete com agudo e jocoso sentido: "No discurso da rentrée, parte do PSD foi ver aviões." É um comentário demolidor. Não sei se justo.
... Além de nada dizer que sobressaltasse as almas, a senhora é desprovida de convicções, de paixão, de fulgor, de compromisso vital, de empatia, de simpatia e de persuasão.

...Manuela Ferreira Leite é, em todos os aspectos, e com perdão da palavra, um frigorífico. Com outro revés: não possui nenhuma ideia nova, não apresenta nenhum projecto, não expressa nenhuma característica de mudança.

...Devo dizer que me não congratulo. O esvaziamento, cada vez mais acentuado, das variantes clássicas debilita as possibilidades do jogo democrático. E o cenário fixo de um partido sem antagonista, perpetuado no poder por inexistência de repertórios opostos, com encenações negociadas consoante as situações - vai corroendo, letalmente, o regime. E atinge todos os partidos. Todos.

Baptista-Bastos - Escritor e jornalista b.bastos@netcabo.pt