14 março 2017

Jorge Fernando


"Tirei a quarta classe com o Fernando Maurício e um curso superior com a Amália"






O avô era guitarrista de fado e ofereceu-lhe a primeira viola e os primeiros acordes. Deixou o grupo de baile pelo fado e acompanhou Fernando Maurício e Amália. Músico, fadista e produtor, tem a marca em dezenas de canções.

Comemora os 40 anos de carreira - na verdade, pelo menos 42 - com um espetáculo solidário no Meo Arena no dia 4 de maio, cuja receita reverte a favor da instituição Novo Futuro. No mesmo dia, é lançado o cd De mim para mim, que inclui um dueto com António Zambujo e a participação do filho. Jorge Fernando da Silva Nunes nasceu em Lisboa em 8 de março de 1957 e conta como escolheu o fado deixando para trás o futebol - foi internacional de juniores do 1º. de Maio Futebol Clube Sarilhense - e de cantor e viola ritmo de um grupo de baile. A decisão foi instantânea, quando, aos 15 anos, ouviu Fernando Maurício cantar numa matinée no Barreiro. Acompanhou Maurício e, poucos anos depois, Amália Rodrigues, para quem foi "como filho". Autor de muitas canções interpretadas por ele e por outros artistas.



Foi futebolista do 1º de Maio de Sarilhos Pequenos. Com o Diamantino e o Manuel Fernandes?
E o Oliveira.
Como aconteceu?
Sempre usei na minha vida fazer coisas. Desde menino que jogo à bola, desde menino que canto e toco. Comecei nos jogos juvenis com o Barreirense, depois fui para o 1º de Maio e encontrei todos esses que chegaram a internacionais também. O Frederico, que foi central do Benfica e da seleção nacional, é padrinho da minha filha Ana. Tenho ainda hoje uma grande relação com todos os jogadores de futebol, sobretudo com os desse tempo.
O futebol ficou para trás por causa do fado? O fado também começou muito cedo.
Desde que me conheço, desde os quatro ou cinco anos que cantava, por brincadeira como os outros meninos, por via do meu avô materno que tocava viola. Aliás foi ele quem me ensinou a tocar.
O marido da Ti Preciosa?
Exatamente, da minha avó Preciosa. Havia esse sentimento de que eu não faria outra coisa se não música, mesmo jogando à bola. Era o que falava mais alto dentro de mim. No tempo em que jogava futebol havia um problema, o facto de eu ser notívago. Continuo a ser, gosto da noite, nasci às 4:35 da madrugada.
Isso para o futebol não era grande coisa.
Não era grande coisa. A paixão pela noite sempre me perseguiu.
Isso quer dizer que adormece a que hora?
Depende. Se estiver muito cansado, cinco ou seis da manhã. Se não, vou um bocadinho até mais tarde.
E acorda a que hora?
Meio-dia, uma da tarde, duas. Os amigos mais de perto já sabem.
Começou a tocar guitarra em pequeno? Como apareceu a guitarra, de quem era?
É uma história muito bonita. Era uma Framus, uma guitarra alemã que o meu avô me comprou numa casa de penhores. Ele tinha a viola dele, com que tocava fado. Com 13 anos eu cantava num grupo de baile. Tive papeira e fiquei uma semana de cama. Foi nessa semana que o meu avô me comprou a viola e me ensinou a tocar.
Foi fácil, era intuitivo?
Depois dessa semana, voltei ao grupo de baile e já conseguia acompanhar, tocava viola ritmo. As dificuldades eram muito grandes, tínhamos de ter um investidor nos instrumentos, nos amplificadores, e fomos a correr comprar uma viola ritmo.
Que músicas tocavam? Era 1970.
Foi uma altura espetacular que me serviu de base a tudo o que faço na vida. Nós tanto tocávamos Pink Floyd ou Genesis como Roberto Carlos, Nelson Ned, Deep Purple. Os bailes tinham essa vertente. Fazíamos aquelas séries mais românticas, depois tocávamos outras mais mexidas.
As séries mais românticas eram "para constituir família"?
Eram as preferidas dos casaizinhos. Quem não tinha possibilidade de se tornar casal nos bailes também gostava de ouvir as músicas que se tocavam. Foi uma altura de grande criatividade a nível mundial, de bandas extraordinárias, cada uma diferente das outras. Isso serviu-me de base e de preparação para o que viria a seguir.
Aprendeu sozinho ou chegou a ter aulas?
Sempre sozinho. As únicas aulas que tive foi com o meu avô. Foi a minha curiosidade que me levou a aprender. Eu hoje leio uma cifra mas posso dizer que nunca ninguém me ensinou. Através da dedução fui aprendendo a ler e a procurar acordes, foi intuitivo.
Os 40 anos de carreira são 42, porque aos 18 anos teve carteira profissional.
No meu tempo, para se cantar ou tocar numa casa de fado era preciso ter carteira profissional, tínhamos de fazer um exame. E só se podia aos 18. Não podíamos tocar e cantar profissionalmente antes disso.
Mas tocava e cantava?
Sim, tocava e cantava na mesma.
Aos 16 anos, conheceu o Fernando Maurício. Como aconteceu?
Foi um enorme privilégio. Num domingo à tarde, estávamos a ensaiar na garagem - uma banda de baile tem de estar sempre atualizada, sai um êxito e temos de ir a correr tocá-lo porque as pessoas vão pedir nos bailes, querem dançar aquilo. Vieram dizer-me - está ali o rei do fado. Quem é? O Fernando Maurício. Quando fui para o grupo de baile a minha ligação já não era tão intensa, tão próxima, mas pensei "deixa-me lá ouvir o rei do fado".
Foram ouvir onde?
Numa casa de fado que estava a dar uma matinée, próximo da garagem onde eu ensaiava, no Barreiro. Foi paixão absoluta. Ouvi-o cantar e a partir daí voltei para o fado.
Acabou-se o grupo de baile?
Acabou o grupo de baile, sim.
Tiveram de arranjar outro guitarrista?
Não, eles fecharam mesmo a loja.
Nunca mais soube deles?
Deixaram todos de ser músicos, seguiram vidas diferentes. Voltou-me a paixão do fado que eu já trazia do berço. Quando ouvi o Fernando fiquei de boca aberta, era fascinante.
Daí a ser guitarrista dele foi um grande passo?
Demorou pouco tempo. Estou a reportar-me aos meus 15 anos, e aos 16 eu já tocava com ele. Estabelecemos ligação. No fundo, eu nunca deixei de sentir qualquer coisa pelo fado. O primeiro tema que faço, aos 15 anos, foi a música d" A Trigueirinha.
Passou a acompanhar o Fernando Maurício e isso foi uma mudança de vida? Deixou os estudos?
O Fernando tinha uma casa de fado onde cantava, a Adega Mesquita, mas eu tocava com ele nos espetáculos que eram normalmente ao fim-de-semana. Continuei a estudar, acabei o curso geral de administração e comércio. A minha mãe detestava que eu tocasse e cantasse, não via isso com bons olhos.
Queria que o Jorge fizesse o quê?
Eu era bom aluno, tinha grandes notas, e ela queria que eu me formasse. O sacrifício enorme que os pais faziam era no sentido de que os filhos se formassem para que viessem a ter uma vida mais fácil, como eles não tinham tido. Só por volta dos 20 anos, quando comecei a tocar com a Amália, é que ela desistiu de me pressionar.
É um bocadinho arrasador estar a falar com alguém que aos 20 anos já está a tocar com a Amália, depois de ter começado com o Fernando Maurício. Entrou pela porta dourada.
A vida às vezes presenteia-nos com coisas inesperadas e eu na vida fui presenteado com coisas enormes, as minhas verdadeiras medalhas. Desde gravar com o Egberto Gismonti a fazer um dueto com o Lucio Dalla, e todos os portugueses: o Fausto, os Expensive Soul, o Sam the Kid... São esses presentes que me fazem estar sempre em estado de graça e de gratidão para com a vida.
Isso dá muito trabalho, não cai do céu.
Mas não nos damos conta porque estamos a fazer uma coisa de que gostamos. Quando estou a compor um tema estou a trabalhar, mas não é esse o sentido da palavra trabalho. Será uma questão de semântica, mas o sentido da palavra trabalho para mim não é esse. Porque quando estou a compor estou a ter um prazer dolorido. Compor dói um pouco.
Em que sentido?
Antes de compor sinto um leve peso na zona do estômago, do umbigo, uma dorzinha. Ando atrás da palavra certa, é uma certa moinha cá dentro. A melodia é um encadeamento de frases, procuro a palavra certa para o que quero dizer. Há ali um estado, um intervalo próprio, que é um prazer dolorido, aquele pesozinho sempre cá dentro, aquela ansiedade de pôr cá fora a palavra ou a frase musical.
Como é que isso acontece, como é que sabe qual é o momento?
É a chegada da dorzinha no estômago, no plexo solar, que me liga ao universo quando componho. Sou apenas um veículo através do qual estas coisas chegam. Tenho a certeza disto, às vezes escrevo coisas que não sei.
Explique lá melhor.
Posso dar um exemplo. No primeiro disco da Ana Moura um dos versos que escrevi é assim: "Que o amor ao possuir-me inocentiza-me o ser". Eu escrevi isso. Depois de a dorzinha passar eu disse que disparate, inocentiza?, isto não existe. Pelo sim pelo não, fui ao dicionário ver e realmente existe. Muitas vezes escrevo palavras que não tenho a certeza que existam, algumas não conheço. Atribuo o ato de criação a qualquer coisa que me ultrapassa, fazendo parte de um todo. Mas não me preocupa muito aprofundar porque esses caminhos levam às vezes para situações de embaraço intelectual, chamemos-lhe assim.
É escusado racionalizar, é isso?
Nunca vamos perceber, vamos desconfiar, ter ideias...
Tal como lhe aconteceu quando foi ouvir o Fernando Maurício e perceber que era aquilo que queria?
Sim, faz tudo parte disso. Os gregos têm uma palavra muito interessante - noure - que significa corrente de pensamento. Os grandes pensadores acham que todos os homens que falam do futuro a 500 ou 600 anos mergulham ou sobem até essa corrente de pensamento onde tudo está plasmado no éter cósmico. Há algum peso neste pensamento. O [profeta] João na ilha de Patmos ou Nostradamus que previu o futuro com uma exatidão tremenda... haverá aí qualquer coisa, o tal plasmar de tudo nos arquétipos. Isto leva-nos a grandes filósofos, Anaxágoras, Platão. Para mim basta-me ver que se deitarmos uma semente de uma oliveira não vai nascer um pinheiro, ou seja, naquela pequena semente também já está plasmado o que ela vai ser. É por aí que a composição anda.
A dor de barriga é na fase da escrita. E o momento de cantar em público, a partilhar com outros?
É um processo alquímico, tudo se eleva quando há comunicação, quando conseguimos dar aquilo que pretendemos em termos energéticos. A onda bate, volta e vem reforçada e nós transcendemo-nos. O canto é um poder de manifestação enorme. A música serve para levar as palavras e nós temos de ter a noção do que damos às pessoas. A música é um fator muito importante em tudo o que fazemos na vida. Não podemos imaginar um filme sem música, por exemplo. Mesmo que não demos por ela, ela está lá e transforma o filme noutra coisa. A Amália disse uma coisa muito bonita, revejo-me nas palavras dela. Numa entrevista - eu estava presente e já contei isto a muitos colegas, gosto de contar as coisas que aprendi com ela e com outras pessoas - perguntaram-lhe o que pensava quando cantava. E ela disse: "Se eu pensasse não cantava". É esta ausência de ego que faz com que aquilo a que chamamos alma, coração, seja o que for, se entregue da forma como ela se entregava. O ego não está a pensar "agora vou fazer esta voltinha", se pensa assim a voltinha já foi.
Mais uma vez, não pode racionalizar?
Não convém.
Como era a Amália com os seus guitarristas?
Se existe qualquer coisa a que nós chamamos deus - temos de ter uma palavra para chamar essa entidade superior - ele não pode ser justo porque pôs tudo dentro da Amália e tão pouco dentro de nós. A Amália era um ser humano onde tudo estava. É difícil uma pessoa ser inteligente e arguta ao mesmo tempo, uma coisa colide com a outra, mas ela era.
E tinha aquela voz.
O seu canto revela a inteligência, o bom gosto, a afinação, o swing, estava tudo dentro da Amália. A nossa relação era familiar. Eu não sou muito ligado ao passado mas gosto de algumas recordações. E uma das que mais gosto é o que ela escreveu no primeiro cd que gravei com ela - Amália volta a cantar Frederico Valério: "Jorge Fernando, gosto de si como filho". Nem sequer era como um filho, ou seja, se a Amália tivesse tido um filho gostaria que tivesse sido eu. Isto para relatar como ela era connosco.
Ler uma coisa dessas dá para uma pessoa ficar a pairar?
Claro que sim. Foram anos de aprendizagem sublime com ela. Nós crescemos através das experiências e se eu não tivesse tido a experiência de estar com a Amália não seria a mesmo pessoa.
E com o Fernando Maurício poderia dizer uma coisa parecida?
Tirei a quarta classe com o Fernando e fui para o curso superior com a Amália.
O fado é uma grande parcela na sua vida mas há também o que veio dos tempos dos grupos de baile. O fado tem as suas regras mas juntou-lhe outras influências?
Nunca deixei de ouvir outras músicas, não sou capaz de estar fechado em nada, nem em casa. O fado tem as suas regras, e atribuem-me ter quebrado essas regras. Trouxe a bateria para o fado quando em 1996 fiz o primeiro disco, bateria conceptual com elementos da Brigada Victor Jara. O Quiné [percussão] e o André Sousa Machado [bateria] foram os pais do ritmo no fado. Essa minha inquietude leva-me sempre a quebrar as regras do fado.
As regras são para ser quebradas?
Eu penso que sim. Na existência, só a mudança é que não muda, tudo está em constante mudança. Para alguma gente, que eu respeito, o fado não pode sair daquilo. E para mim o fado é uma questão de alma. Se nós ouvirmos o disco que a Amália gravou na Broadway, a cantar o Summertime, nós sabemos que o Summertime não é um fado, mas temos a certeza absoluta de que é uma fadista que está a cantar. Ali há fado. Não se pode desligar - agora há fado, agora não. Ou se é ou não se é. Sou o quebrador de regras, fiz fado com rap com o Sam the Kid, uso vozes como o Dino d"Santiago no fado, tudo coisas que ninguém fez e eu gosto de as fazer. Parafraseando uma entrevista do Piazzolla, com quem concordo plenamente, pode-se mudar a forma não tocando no conteúdo. Mudamos a forma de vestir mas o fado tem de lá estar.
É isso que lhe possibilita cantar com o Lucio Dalla ou com o Egberto Gismonti?
Todos esses duetos que fiz. Faça eu o que fizer, está sempre presente o fado. Aliás, a primeira vez que fui ao Festival da Canção [em 1983, Rosas brancas para o meu amor] a crítica mandou-me para casa, dizendo: "isto não é um balão de ensaio para o fado". Continuei a gravar e diziam que soava sempre a fado.
Com o Umbadá não o compararam com fado, em 1985.
O Umbadá não.
Foi outra vez ao Festival em 1990, com Via Aérea, e passou vários anos sem ir.
O próprio festival decadentou-se - será que a palavra é correta?
E voltou neste ano.
Voltou neste ano numa tentativa de torná-lo o que foi, o que me parece impossível porque as coisas não voltam a ser o que eram, o festival tem de ser outra coisa. E em boa hora participei. O festival cumpriu o seu desígnio com a descoberta pelo país do Salvador Sobral. Valeu a pena para ouvir essa música lindíssima, essa letra da Luísa [Sobral], e ouvir o Salvador cantar desta forma.
E gostou de participar, daqueles nervos?
Gostei, mas gostei mais que o Salvador tivesse ganho por uma questão de justiça. Ele merecia de longe ganhar, estou felicíssimo por isso. Também feliz pela participação da menina de 18 anos [Beatriz Felício] que eu descobri, porque toda a gente se encantou com ela, com o seu canto, e penso que um dia ouviremos falar dela.
Os 40 anos de carreira vão ter um espetáculo de comemoração solidário, cujas receitas são para a instituição Novo Futuro. Como conheceu esta instituição?
Em boa verdade, conheci através do meu amigo Luís Montez. É uma pessoa de quem gosto muito e com quem tenho muita afinidade, é um visionário. Fazer uma rádio de fado [Rádio Amália], quem é que teve essa visão antes dele? Fazer o Caixa...
Os festivais Caixa Alfama e Caixa Ribeira?
Adoro as pessoas visionárias porque enquadro-me um pouco nisso. Quando sinto que tenho de fazer um fado com o Sam the Kid estou nesse campo, então temos essa afinidade. Ele resolveu atribuir-me o espetáculo Novo Futuro deste ano, como homenagem às minhas canções. Tenho por ele, além de apreço, uma grande gratidão porque em várias fases da minha vida ele mostrou a amizade que tem por mim. Vamos fazer uma festa muito bonita. Nunca me preocupo muito se as casas estão cheias ou não mas neste caso...
É o Meo Arena, encher aquela sala mete respeito...
Não penso que encherei o Meo Arena com outros artistas portugueses, mas espero uma boa casa, pelo menos, para que a receita seja boa para a Novo Futuro, é isso que me preocupa.
São tudo canções suas?
Tudo canções minhas.
E vai cantar em duetos com os convidados?
Vai ser tudo em dueto
Estão anunciados o Agir, a Ana Moura, o Camané, os Expensive Soul, a Fábia Rebordão, o José Gonçalez, o Sam the Kid e o Virgul com o Dino D"Santiago.
O Virgul e o Dino faziam parte dos Nu Soul Family que gravaram no meu último disco o single Desespero.
É uma espécie de reunião de família?
É a palavra exata. O que me apaixona mais na música é que todas as minhas viagens e incursões por zonas diferentes nos tornam familiares. Ficamos amigos depois de nos conhecermos, tornamo-nos como família. É a dádiva maior da música.
Poderíamos pensar que haveria aí muitos egos, mas não parece que isso se passe nesse grupo.
Esses meus queridíssimos irmãos musicais estão na música pela música, o que é diferente de nos servirmos dela. É evidente que todos nós vivemos da música, gostamos de ter êxito, ficamos felizes quando somos apreciados. Mas todos nos damos a sério à música.
Como se prepara para um dueto? Ensaiam antes? Por exemplo, com o Lucio Dalla ou a Ana Moura?
A história do Lucio Dalla é muito bonita. Um dia recebi um telefonema em italiano - por acaso falo italiano, graças aos anos em que andei com a Amália pelo mundo todo. Telefonou-me um senhor que era secretário do Lucio Dalla. Ele tinha um movimento de defesa dos oceanos nas ilhas Trinity e convidava-me para cantar com ele. Andou a pesquisar na net.
Uma pessoa de repente recebe um telefonema assim...
Ameaçador?
Não, dá a sensação de vir do além.
Daí a ameaça. E eu disse com certeza, com muito prazer. Depois foi o próprio Lucio Dalla que me telefonou: "Tenho um tema com letra portuguesa, podíamos cantá-lo juntos, posso mandar-te?" Qual não é o meu espanto quando o tema chega. Era uma canção que eu cantava desde menino: Ele vinha sem muita conversa, sem muito explicar, ou seja, a Minha história, que eu pensava ser do Chico Buarque. A música e mesmo a letra eram do Lucio Dalla, o Chico fez uma tradução. Quando os artistas do Brasil fugiram...
...por causa da ditadura militar...
O Caetano foi para Inglaterra e o Chico foi para casa do Lucio Dalla em Itália. O Lucio ia concorrer ao festival de San Remo com esta canção mas foi censurada, teve que mudar a parte final. A primeira e última vez que ele gravou a canção exatamente como a escreveu foi comigo. No final em italiano ele diz E ancora adesso che gioco a carte e bevo vino /per la gente del porto mi chiamo Gesù bambino. Isto é, entre jogos de cartas e vinho, para as pessoas do porto eu sou o menino Jesus. Mas ele tinha escrito uma coisa mais trágica que está no nosso dueto. [E ancora adesso mentre bestemmioe bevo vino
per i ladri e le puttane sono Gesù bambino - entre blasfémias e vinho, para os ladrões e as putas sou o menino Jesus]
. O título da canção é 3-4-1943, a data do nascimento do Lucio, e a mãe dele era prostituta. É a história dele.
Tem um disco pronto para sair?
Sai a 4 de maio para comemorar os 40 anos.
Está anunciada uma canção chamada O lobisomem. O que é?
O lobisomem é uma crendice popular, uma pessoa que à noite se transforma em animal, em lobo. Eu conto a história do lobisomem e dois versos à frente desmistifico, não acredito nisso.
O que tem mais no disco novo?
Coisas novas. Vou ter um dueto com o Tozé Zambujo, de quem sou grande fanzaço.
Mais conhecido por António Zambujo?
Há tantos os anos que somos amigos, foi sempre o Tozé. E terei a participação do meu filho, o Jorge Nunes.
O Jorge Fernando da Silva Nunes tem um filho que é o Jorge Nunes?
Sim, Jorge Fernando é o meu nome e tornou-se nome artístico.
Como apareceu a ligação com o Sam the Kid, um rapper no mundo do fado?
Tudo é fácil quando passa pelo pormenor, pela ativação através da chamada paixão. Ouvi a primeira vez o Sam the Kid na rádio e disse "que caneta é esta, quem é este rapaz que escreve desta maneira?" Foi o rastilho. As coisas encadeiam-se desta forma na minha vida. Um dia estou a compor e sai um tema que me fez pensar que era interessante meter o rap no meio. Disse ao Nuno Miguel Guedes, jornalista, que gostava de falar com o Sam the Kid. Quando lhe mostrei o tema, foi imediato, disse que entrava.
Como se chama o disco?
O título genérico é De mim para mim. Como estou sempre a mexer nas coisas - e pago a fatura - trago o eletrónico ao fado também. O Agir e o Fred estão a fazer as programações.







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