12 março 2009

Consensos problemáticos!

Há anos me intriga a facilidade com que nas sociedades européias e da América do Norte se criam consensos. Refiro-me a consensos dominantes, perfilados pelos principais partidos políticos e pela grande maioria dos editorialistas e comentaristas dos grandes meios de comunicação social. São tanto mais intrigantes quanto ocorrem sobretudo em sociedades onde supostamente a democracia está mais consolidada e onde, por isso, a concorrência de ideias e de ideologias se esperaria mais livre e intensa. Por exemplo, nos últimos trinta anos vigorou o consenso de que o Estado é o problema, e o mercado, a solução; que a atividade econômica é tanto mais eficiente quanto mais desregulada; que os mercados livres e globais são sempre de preferir ao protecionismo; que nacionalizar é anátema, e privatizar e liberalizar é a norma.Mais intrigante é a facilidade com que, de um momento para o outro, se muda o conteúdo do consenso e se passa do domínio de uma ideia ao de outra totalmente oposta. Nos últimos meses assistimos a uma dessas mudanças. De repente, o Estado voltou a ser a solução, e o mercado, o problema; a globalização foi posta em causa; a nacionalização de importantes unidades econômicas, de anátema passou a ser a salvação. Mais intrigante ainda é o fato de serem as mesmas pessoas e instituições a defenderem hoje o contrário do que defendiam ontem, e de aparentemente o fazerem sem a mínima consciência de contradição. Isto é tão verdade a respeito dos principais conselheiros econômicos do Presidente Obama, como a respeito do Presidente da Comissão da União Europeia ou dos atuais governantes dos países europeus. E parece ser irrelevante a suspeita de que, sendo assim, estamos perante uma mera mudança de tática, e não perante uma mudança de filosofia política e econômica, a mudança que seria necessária para enfrentar com êxito a crise.

É necessária uma nova ordem global solidária que crie condições para uma redução sustentável das emissões de carbono até 2016, data em que, segundo os estudos da ONU, o aquecimento global, ao ritmo actual, será irreversível e se transformará numa ameaça para a espécie humana. A existência da Organização Mundial de Comércio é incompatível com essa nova ordem. É necessário que a luta pela igualdade entre países e no interior de cada país seja finalmente uma prioridade absoluta. Para isso, é necessário que o mercado volte a ser servo, já que como senhor se revelou terrível.

Boaventura de Sousa Santos - sociólogo e professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (Portugal).

1 comentário:

Maria Faia disse...

Estimado Amigo Manuel,

Ainda bem que a globalização foi posta em causa. Na verdade, parece-me que a(s) economia(s) deve(m) estar ao serviço do Homem e não o contrário.
A crise financeira global em que mergulhámos não é mais do que a expressão da inversão de valores em que as sociedades actuais têm assentado, esquecendo que o valor maior é, e deve ser sempre, o bem estar das pessoas.
Parece-me também que não temos qualquer dúvida que a economia global, absolutamente desregulada, conduz à submissão do Homem ao poder do dinheiro, atirando para a sarjeta os valores humanistas essenciais a uma evolução social saudável e justa.
Ainda bem que os Homens pensam e questionam. Quem sabe a globalização social começa a dar frutos.
Aos Estados não caberá defender os seus cidadãos? Então porquê tudo entregar ao cego mercado e à livre concorrência?
Ainda bem que o Homem pensa e questiona!

Um abraço amigo,

Maria Faia