A vida sendo presente é sobretudo passado, adquirindo verdadeiro sentido quando despertarmos das memórias os acontecimentos que nos ligaram indubitavelmente a essa esplendorosa viagem da qual Pitágoras apelidou e bem, de grande sala de espectáculos. Remexemos no baú das nossas recordações e eis que encontramos testemunhos de tempos menos meditados e por isso mesmo, vazios de uma atenção mais cuidadosa, justificando assim nos tempos presentes, um outro olhar e porventura uma leitura muito mais atenta e quiçá uma dedicação mais apaixonada. Há uns anos não muito longínquos conheci Fausto Bordalo Dias, compositor, cantor e um dos melhores criadores de música popular portuguesa, assisti de uma forma privilegiada a concertos musicais por si interpretados, tão importantes na sua carreira como os que se realizaram no Teatro S. Luis, no Rossio e Praça do Comércio em Lisboa, em Almada, no CCB, e por último no Seixal. Passados que foram trinta e cinco anos e encontrar uma referência deste cantor na revista Flama publicada no verão de 1972, é uma sensação de caminho percorrido desde há muito com a sua música e os poemas deste grande "trovador mas não bobo, sinaleiro mas nunca polícia", como o classificou e bem João Gobern na apresentação do seu último trabalho, A Ópera Mágica do Cantor maldito, no CCB.
Razão tem François René quando afirmou que “ A nossa vida é tão vã que não passa de um reflexo das nossas memórias”. E hoje nesta caminhada imensamente conturbada, aumenta a necessidade de continuarmos referenciados e lúcidos, de guião em punho e a voar por cima das águas, para bem das nossas existências.
7 comentários:
Gostei IMENSO de reviver o FAUSTO. Por razões óbvias e por razões pessoais: É que entre 1967/1969 eu estive em Angola, 14 meses nos Dembos, Zala, e 11 meses no Leste, Henrique de Carvalho, Luso, Nova Lisboa, etc. Ora, estou a falar de nomes coloniais... Dembos, Zala (na maior e mais densa selva de Angola) mantiveram os nomes, mas as cidades recuperaram as designações originais, passando Henrique de Carvalho a Saurimo, Luso a Luena e Nova Lisboa a Huambo... E nesta cidade do planalto leste de Angola estive 3 dias em patrulhas. Refúgio de Jonas Savimbi, terrorista, não tendo aceite os resultados obtidos em eleições para o Parlamento, preferiu continuar no "planalto" a fazer milhares de vítimas.
Não sabia (nessa altura só pensava que não sairia de Angola vivo...) que no momento em que lá estive o FAUSTO fazia as suas primeiras gravações!...
Foi, de facto, bom recordar...
Abraço!
"NUMA GUERRA NUNCA HÁ VENCEDORES"
António Lobo Antunes, dia 26 de Outubro de 2006, na RTP1.
É bem verdade e eu já conhecia a frase. Acontece que o meu "ex-colega" alferes miliciano "andou", 3 anos mais tarde do que eu, pelo leste de Angola também percorrido por mim. A base dele era em Chiúme e eu já li dois livros dele: "Nos Cus de Juda", nome por que é conhecida aquela região Leste de Angola, que no fundo é um relato pessoal da guerra ("que não era dele") e "D'este viver aqui neste papel descripto - Cartas de Guerra", publicado por vontade das filhas Maria e Joana que prefaciam o livro. "Os nossos pais conheceram-se e começaram a namorar no Verão de 1966 na Praia das Maçãs. Em 1969 foi chamado para a recruta, de onde viria a partir para a guerra colonial. Casaram a 8 Agosto 1970."
Este livro reproduz, com uma realidade impressionante, todas as cartas trocadas entre o António e a Maria José, ordenadas por datas e cada uma delas é encimada pelo ícone dos famosos aerogramas distribuidos aos combatentes pelo MNF.
Abraço.
Sem tirar nem por... Um grande músico.
Um abraço
Muito interessante esta meditação sobre o grande Fausto Bordalo Dias
É reconfortante fazer uma visita a este espaço e dar de caras com um cantor da liberdade e com a excelente apologia desse valioso trabalho que nos deixou.
Também andei por lá, Nova Lisboa, que quanto a mim era a cidade angolana com mais semelhanças com a metrópole em especial pelo clima ameno.
Um abraço
Como sempre um texto valioso, nas palavras e na mensagem de alerta cultural que transmite. Estar atento às coisas importantes é uma característica imperdível do MGomes. Obrigada pelo avivar da memória.
Que bom ler um artigo sobre Fausto publicado em 1972. É um dos gigantes da música portuguesa.
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